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O DELEGADO CARIOCA ORLANDO ZACCONE, TITULAR DA 52ª DP DE NOVA IGUAÇU E MESTRE EM DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA CONTA NESTA ENTREVISTA COMO TEM CONSEGUIDO BONS RESULTADOS AO TRATAR COM DIGNIDADE OS PRESOS DE SUA DELEGACIA Num salão de uma delegacia em Nova Igua- nuir a criminalidade, por exemplo, diminuin- circula o dobro de drogas que em toda a Zona çu, RJ, 160 detentos se aglomeram para assis- do o número de leis que criminalizam condu- Sul e Barra. Evidentemente que o tipo de tráfi - tir a um fi lme. Isso faz parte de um programa tas. A criminóloga, a Lola Amiar de Castro, co praticado naquelas regiões torna as pessoas de “redução de danos” sofridos pelos encarce- diz que para diminuir a criminalidade basta desses locais mais vulneráveis à criminalização. rados, promovido pelo delegado titular, Or- rasgar algumas páginas do Código Penal.
Por exemplo, eu trabalhava em Jacarepaguá. lando Zaccone, que já viveu num mosteiro. A Todo plantão eu fazia um fl agrante de tráfi co idéia é tratar humanamente os presos, entre ali em torno da Cidade de Deus, do morro São outras razões para atingir um nível maior de José Operário. Quando fui pra Barra da Tijuca, recuperação. Aqui, a entrevista do delegado.
Será que seria necessário criminalizar con- já não registrava mais fl agrante de tráfi co. Por dutas no Código de Defesa do Consumidor? Ou que não? Porque em Jacarepaguá o tráfi co de essas condutas seriam reguladas por outra lei, drogas é feito no espaço público. E no espaço O primeiro curso que fi z foi jornalismo na como a lei da economia popular, a lei contra público, na boca de fumo da favela, é muito mais PUC. Me formei em 1987, trabalhei no jor- a ordem tributária? O comerciante que vende fácil a polícia atuar. Na Barra da Tijuca o tráfi - nal O Globo, e num determinado momento um produto fora do prazo, hoje isso é conside- co é feito no espaço privado. Dentro dos apar- da vida resolvi largar tudo pra virar monge. rado crime, tem uma pena. Será que não pode- tamentos dos condomínios. Pra polícia entrar Fui morar num templo Hare Khrishna, fi quei ria ser resolvido dentro da seara civil? A lei do num apartamento, ela precisa de ordem judi- lá dois anos. Quando saí, o mercado de jor- meio ambiente diz que é crime o dano culpo- cial. E pra conseguir essa ordem vai ter que ter nalismo já tinha se fechado pra mim e eu já so ao meio ambiente. Signifi ca que, se um ci- uma investigação que demonstre pro juiz que é tinha casado, tinha uma fi lha, precisava ter clista estiver andando no Aterro do Flamengo, necessário aquele mandado de prisão. Fica uma uma ocupação e meu pai me ofereceu admi- olhar uma mulher bonita e tropeçar com a bici- nistrar um negócio de família, mas eu pre- cleta no meio-fi o, caindo em cima do jardim, ele cisaria fazer direito. Então comecei a cursar está praticando crime. Os estudiosos chamam direito na Estácio e ia trabalhando com meu isso de “infl ação” penal. São tantas leis preven- pai. Fiz concurso público, não escolha de car- do tantos crimes, que é impossível uma pessoa Sim, um deles. É só a gente ver numa blitz reira entre juiz, promotor, defensor, fi z todos conhecer tudo. Então, a seletividade punitiva quem vai ser revistado e quem não vai. E es- e acabei passando pra delegado, que era uma é onde a criminologia crítica vem trabalhando. sas pessoas acabam sendo estigmatizadas como No sentido de dizer que os cárceres hoje não criminosas pelo perfi l, pelo estereótipo: pobre, estão sendo povoados somente por pessoas que preto, favelado. Tem também a corrupção, que praticam crimes, mas por pessoas escolhidas não é nem o fator mais importante. Tem a pre- Em 1996. Já sendo delegado fui fazer mes- que praticam determinados crimes. Nem toda varicação, porque as pessoas de extratos sociais trado em direito penal e criminologia na Uni- pessoa que pratica uma conduta defi nida como mais altos têm mais conhecimento. Vemos isso versidade Cândido Mendes, onde tive contato crime será identifi cada como tal. Então, o que o nas delegacias, de onde vêm os pedidos. Nun- com a teoria crítica do direito penal, da crimi- sistema penal faz, começando pela polícia e de- ca vi ninguém ligando pra mim pra pedir por nologia. Mas as escolas de direito trabalham pois pelo Poder Judiciário? Seleciona algumas um favelado. Normalmente os pedidos são para muito com o ensino positivista. Você estuda o pessoas que praticam algumas condutas previs- pessoas com maior poder aquisitivo. Não é à toa direito a partir da lei sem criticar a lei, toma a tas como crime para criminalizá-las. E normal- que os cárceres hoje são povoados por pessoas lei como algo natural, não como uma constru- mente essa seleção atinge as pessoas mais vul- mais pobres. Proporcionalmente à população, ção política. Assimilando um pouco do discur- neráveis. Se juntarmos o número de fl agrantes você tem mais negros do que brancos, mas não so crítico, a primeira coisa que estamos fazen- de tráfi co nas delegacias da Zona Sul mais a da posso chegar à conclusão de que os negros têm do é questionar a lei. Porque muitas das vezes Barra, não dá metade da quantidade de tráfi - mais tendência a delinqüir. A conclusão a que o problema está na injustiça na elaboração de co registrada na delegacia de Bangu ou na de chegamos hoje, pela criminologia crítica, é que determinadas leis, e isso gera problemas até Bonsucesso. Mas não posso chegar à conclusão eles têm mais tendência a ser criminalizados. na atividade policial. A gente poderia dimi- de que em Bangu, Bonsucesso ou Jacarepaguá Daí ser necessária essa visão crítica. Que você “ESTÁ HAVENDO UMA ‘INFLAÇÃO’ PENAL.”

Source: http://www.ovp-sp.org/entrevista_ozaccone_p11_ca124.pdf

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